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Nicarágua, o retrato de um sistema totalitário de governo

Nicarágua, o retrato de um sistema totalitário de governo

A proposta deste artigo é trazer apontamentos sobre os sinais da implementação de um regime de governo totalitário de viés marxista, com base nos fatos noticiados sobre o atual governo da Nicarágua, que mesmo nunca tendo sido um exemplo de país democrático, destaca-se na política internacional, de forma muito negativa, desde que Daniel Ortega assumiu a presidência no ano de 2007.

Daniel Ortega, que tem como principal feito de sua história o fato de ser um ex-guerrilheiro sandinista, movimento ideológico de viés marxista, já havia assumido a presidência da Nicarágua na década de 80 e foi-lhe dedicado o mérito de derrubar o governo de Anastasio Somoza Debauyle, figura conhecida pelo caráter autoritário de governabilidade.  Entre “idas e vindas”, na seara do poder político, Ortega voltou ao poder executivo do país no ano de 2007 e desde então, principalmente a partir do ano de 2011, quando reeleito e uma votação controversa, o país vive a experiência da implementação de uma estrutura política, cujo objetivo pode ser resumido pelo interesse na perpetuação do atual sistema de poder.

Como dito, não nos propomos aqui trazer um histórico das sucessões governistas da Nicarágua e seus feitos, mas tão somente apresentar, em linhas gerais, quais são os sinais da implementação de um regime de governo totalitário, com base nos fatos noticiados sobre o atual governo do país vizinho, e assim continuamos.

O enfraquecimento e instrumentalização das instituições democráticas

O método Ortega de governabilidade, como dito, tem como escopo moldar a estrutura política da Nicarágua para consolidar seu controle, e para isso, o primeiro passo foi enfraquecer as instituições que viabilizavam a democracia, através, por exemplo, da cooptação do Poder legislativo, que promoveu reformas constitucionais e manobras políticas com objetivo de eliminar limites para reeleição presidencial, com aprovação da maioria esmagadora dos membros da Assembleia Nacional. 

Nesta conta também foram aprovadas leis que restringiram as liberdades civis e aumentaram a repressão estatal, como no caso da Lei de Defesa dos Direitos do Povo à Independência, Soberania e Autodeterminação para a Paz, aprovada em 2020, utilizada para criminalizar a dissidência, permitindo que críticos do governo sejam acusados de “traição à pátria” e presos.

O próprio Poder Judiciário na Nicarágua, sistematicamente enfraquecido e transformado em um instrumento do regime, deixou de ser uma entidade independente.  Através de juízes nomeados para cargos-chaves, o órgão passou a legitimar as ações autoritárias do Executivo, como aconteceu com a repressão às manifestações de 2018, onde foram emitidos mandados de prisão em massa contra manifestantes e lideranças opositoras, e permitidos julgamentos sumários, realizados sem garantias processuais. Aos juízes que se opunham, restou o afastamento e a imposição do medo e do silêncio, fatores característicos de perseguição à opositores políticos e consolidação do regime autoritário.

Mais recentemente, quando iniciou o terceiro mandato do ditador Daniel Ortega, Nicarágua tem enfrentado um crescente desmantelamento dos direitos humanos e da liberdade religiosa.

A posição dos Organismos de Direito Internacional

Contra dissidentes políticos, jornalistas, organizações da sociedade civil e cidadãos comuns que se opõem ao governo, foi imputado severa repressão que resultou em centenas de mortos, desaparecidos e milhares de exilados, conforme documentado por organizações internacionais, como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), que enfatizaram uma série de abusos, incluindo execuções extrajudiciais, detenções arbitrárias, tortura e o uso excessivo da força contra manifestantes que se opunham a voracidade do ditador que, em resposta, nega repetidamente as acusações, rotulando-as como parte de uma campanha internacional para desestabilizar o país.

Nem as sucessivas condenações pela Organização dos Estados Americanos (OEA) e pela Organização das Nações Unidas (ONU), tampouco a aplicação de sanções diplomáticas contra o regime pela Organização dos Estados Americanos (OEA), ou mesmo as sanções econômicas, restrição de visto aos membros do governo e militares nicaraguenses envolvidos nas violações de direitos humanos, pelos Estados Unidos e União Europeia, foram suficientes para frear as repressões internas do governo de Ortega, que não demonstra interesse em dialogar com a oposição, tampouco restaurar as liberdades fundamentais.

Ataques à Liberdade Religiosa e à Igreja Católica

Disferindo acusações públicas contra membros da hierarquia católica, no sentido de serem cúmplices de uma tentativa de golpe de Estado, Ortega que não se deteve em atacar várias igrejas, perseguir padres e bispos, além de forçar muitos líderes religiosos a buscarem o exílio. 

Destaque na imprensa internacional foi a prisão e condenação do bispo de Matagalpa, Dom Rolando Álvarez, sentenciado a 26 anos de reclusão sob acusações de “conspiração” e “propagação de notícias falsas”, o que gerou uma das primeiras e mais fortes manifestações de nível internacional e configurou, definitivamente que o governo totalitário de Ortega nutre uma sistemática perseguição contra a Igreja Católica.

Na última semana, mais uma vez investiu em seu intento totalitário e determinou o fechamento de 1500 organizações não governamentais, em sua maioria administradas por instituições religiosas, incluindo associações educacionais e sociais.

O governo totalitário de Ortega impôs o pagamento de impostos pelas Igrejas, fundamentada em decisão da Assembleia Nacional que reformulou a legislação alterando o funcionamento das ONG’s, confiscando patrimônios, com objetivo de impor uma “aliança” com instituições estatais para implementar seus projetos. A nova ofensiva aumentou para 5.200 o número de organizações civis dissolvidas no país em seis anos.

Sob a liderança do Papa Francisco, o Vaticano adota uma posição crítica, ainda que diplomática, em relação ao governo de Ortega, pedindo respeito pelos direitos humanos e liberdade religiosa.  E, embora todos os esforços do corpo diplomático do Vaticano e do Sumo Pontífice que acompanha “com preocupação e dor” a situação da Nicarágua, o governo nicaraguense resiste e não se pode vislumbrar qualquer solução.

Ações contra os Meios de Comunicação e Atividades Culturais

Próprio dos regimes totalitários, a liberdade de imprensa e a expressão cultural também foram atingidas sob o regime de Ortega, que implementou medidas para sufocar a mídia independente, cujos jornalistas tem sido constantemente alvos de intimidação, violência e prisão.

Os meios de comunicação críticos ao governo foram fechados, suas licenças revogadas, seus equipamentos confiscados e lideranças presas, sendo o caso mais emblemático o canal 100% Noticias e a prisão de seu diretor, Miguel Mora, em 2018.

Inobstante a tudo isso, o governo de Ortega impôs uma forte censura na internet e nas redes sociais, dificultando o acesso a informações imparciais e limitando a capacidade de mobilização da população.

Artistas, escritores e intelectuais foram perseguidos, e eventos culturais considerados subversivos foram cancelados ou proibidos, confirmando que a repressão à cultura faz parte de uma estratégia mais ampla de controle social, onde o governo busca eliminar qualquer forma de resistência ou crítica ao regime.

A limitação ao uso das redes sociais

Dentre as várias medidas que visam cercear a liberdade de comunicação, o regime totalitário de Ortega atacou frontalmente o uso das redes sociais, visando controlar o fluxo de informações online.  

A Lei 1042/2020, conhecida como Lei de Crimes Cibernéticos, em tese visa combater o que o governo entende como uso indevido da internet, visando a segurança nacional, porém, na prática, é usada para fundamentar a censura e impedir a livre expressão do pensamento nas redes sociais.

A legislação em questão, aprovada pela Assembleia Nacional de Ortega, inclui disposições que permitem ao governo perseguir penalmente indivíduos sob o argumento de “difusão de notícias falsas”, “incitação à violência” ou “disseminação de informações que causem alarme, medo ou pânico na população”. Mas na realidade, tais dispositivos são aplicados de forma arbitrária contra críticos do governo, jornalistas e ativistas que utilizam as redes sociais para expor práticas abusivas de poder e organizar protestos.

O que está por trás do controle das redes sociais pelo governo totalitário é na realidade o domínio das comunicações digitais, através do crescente monitoramento e vigilância das mídias, através de suas agências de segurança, que se impõem às plataformas como Facebook, Twitter, WhatsApp e YouTube, para alcançar o acesso à informações privadas de usuários, causando a autocensura, por receio de uso indevido de dados em processos judiciais, cuja imparcialidade tornou-se duvidosa.

Em contrapartida o governo se utiliza das redes sociais para promover campanhas de desinformação e coordenar ataques aos opositores, mesmo com perfis falsos e contas de apoiadores do governo treinados para disseminar propaganda pró-regime, dentro e fora do país, ou seja, para a prática de assédio online visando calar vozes dissidentes.

Consequências Econômicas para a População

Somada às práticas autoritárias do governo Ortega, a crise política gerou graves consequências econômicas para a Nicarágua, que desde 2018 enfrenta severa recessão econômica. 

O Produto Interno Bruto (PIB) nos últimos anos encolheu significativamente, ao contrário da dívida pública, resultando a fuga de capital, a redução dos investimentos estrangeiros, o aumento significativo da pobreza e do desemprego, a deterioração dos serviços públicos, em especial referente à saúde e à educação, levando milhares de nicaraguenses à fuga por melhores condições de vida.

Conclusão

A Nicarágua sob o governo de Daniel Ortega tornou-se um exemplo trágico de como um regime autoritário pode desmantelar as liberdades fundamentais e atacar instituições críticas da sociedade. A dinâmica dos fatos é também um alerta para todo o mundo, em especial a América Latina.  Os riscos inerentes às ações pautadas a partir de ideologias marxistas são reais, sua influência pode levar à concentração indevida de poder, à repressão das vozes dissidentes e a erosão progressiva das estruturas democráticas. Essa experiência sublinha a importância de salvaguardar os direitos humanos e as liberdades individuais como pilares essenciais de uma sociedade justa e democrática.

Por isso, a única solução para evitar a repetição de um cenário autoritário como o observado na Nicarágua envolve o fortalecimento das instituições democráticas e o engajamento ativo da sociedade civil.

Estando o Brasil às vésperas das eleições municipais, é imprescindível que a população, assuma uma postura política responsável e adote os seguintes cuidados:

  1.  Voto consciente: É essencial que os eleitores estejam bem informados sobre as propostas e histórico dos candidatos, escolhendo aqueles comprometidos com a democracia, transparência e o respeito às liberdades fundamentais.  Todos os candidatos são obrigados a apresentar junto aos Tribunais Eleitorais as suas propostas e não há desculpas para não buscar tais informações antes de escolher seus candidatos.
  2. Exigir transparência: Monitorar e exigir que os governos locais, e representantes do legislativo operem com transparência é a única forma de garantir que as decisões sejam tomadas em benefício da comunidade e não de interesses particulares.
  3. Participação Cidadã: Ainda que o sistema de governo no Brasil seja representativo, é importante que os cidadãos participem ativamente das decisões locais, por meio de conselhos, audiências públicas e outras formas de engajamento cívico.
  4. Fiscalização Contínua: A população deve se manter vigilante, além de fiscalizar o cumprimento das promessas de campanha, não pode negligenciar com a gestão pública, pois só assim poder-se-á evitar abusos de poder.
  5. Educação para a Cidadania: Promover a educação política (não ideológica) é fundamental para que a população compreenda seus direitos e deveres, fortalecendo a cultura democrática e prevenindo a ascensão de líderes autoritários.

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